Educação, Família

O pacote de arroz que levava meus sonhos

 

Apontei o lápis com o estilete feito com lâmina de apontador e tubo de caneta Bic. Revisei as tarefas e estudei a tabuada. Coloquei cuidadosamente num pacote de arroz vazio. Ali estavam a minha esperança e meus sonhos.

121452_1_DTambém estava o símbolo de uma das poucas coisas que eu sabia fazer bem: estudar. Lento no futebol, sem aptidão para o serviço na roça, um pouco desengonçado e medroso para montar os animais que meu pai adestrava. Por muitas vezes, minha fonte de autoestima teve sua base na leitura e nos estudos.

Vivíamos em outra época: lembro quando a energia elétrica chegou à nossa residência e a festa que fizemos em poder ler até mais tarde. Até então, tínhamos que ler cuidando das velas, com receio de que iniciássemos um incêndio. Não sabíamos, mas financeiramente éramos muito pobres. Meus brinquedos foram pedaços de madeira e resíduos como galões, canetas velhas e latas de azeite.

E foi nessa época que minha cabeça virou campo de batalha para os mais variados autores: lia desde as novelas românticas denominadas ‘Júlia’ e ‘Sabrina’, até os disputados livros da série Vaga-Lume. Não tardou para encontrar o Mundo de Sofia e os tantos mundos de Machado de Assis e José de Alencar.

Nesses tempos, ir para a escola era a oportunidade de ser bom em algo, de receber desafios com os quais eu podia lidar, de ser suficiente.

O pacote de arroz com o caderno, lápis e borracha era a pasta de um futuro juiz de direito. Por muitas vezes sonhei acordado enquanto andava naquela estrada de poeira que levava até nossa escolinha multisseriada. Em meus devaneios, julgava casos difíceis e defendia oprimidos, encontrava culpados e era um bastião da justiça. Essa era a minha esperança e o mundo que eu queria. Tão longe e tão perto, tão distante e tão real.

 

* João Paulo Bittencourt é doutorando em Administração na FEA/USP, consultor em Desenvolvimento de Lideranças, pesquisador de Arquiteturas Pedagógicas Inovadoras e ainda tem um pacote vazio de arroz e muitos outros sonhos.

Um comentário em “O pacote de arroz que levava meus sonhos”

  1. Aí está o início de uma historia, com garra e afinco, pq a roça era pior. Por isso vcs são esforçado, pq na época se podia educar os filhos e tbm colocá-los para trabalhar. Hj as crianças tem todos os direitos, menos deveres. Infelizmente a educação está em último plano. Tomara alguém queira mudar a educação no Brasil, pq dela depende o futuro. Como serão os futuros profissionais? Mas torço para que o melhor aconteça, afinal esse eh o meu país que amo.

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